ESCUTA SÓ: Notas Desarrumadas e Futuros Possíveis – Cecília, Lola Young e a Arte de Ser Messy
- Edu Fontes

- 27 de jul.
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Há algo de revolucionário em uma criança que canta sem medo. Algo de feminista em notas quebradas, em vozes que ainda não aprenderam a se calar. Minha neta, Cecília, tem menos de dois anos e já conta com um repertório de sons que não obedecem escalas perfeitas, mas carregam uma verdade que muitas artistas levam a vida inteira para encontrar. Seus pais, conscientes ou não do ato político que é criar uma menina com liberdade para explorar sua voz, enchem a casa de instrumentos, canções e espaço para que ela experimente – sem julgamento, sem correção.
Enquanto isso, do outro lado do mundo, Lola Young canta "Messy" – uma ode ao caos que habita a gente quando decidimos não nos encaixar. A música é um grito suave, uma melodia que abraça a desordem como parte essencial da criação. Lola, aos 23 anos, já é vista como uma voz feminista na música pop britânica, alguém que não teme expor vulnerabilidades e contradições. Críticos a chamam de "promessa", fãs a chamam de "necessária". Mas no fundo, ela é apenas uma jovem que aprendeu a transformar seus tropeços em arte.
E Cecília? Cecília ainda não sabe o que é feminismo, mas já entende, no corpo, o que é liberdade. Quando bate em um tambor, quando imita os vocais distorcidos de um gato ou de uma guitarra, quando ri de seus próprios erros tonais, ela está exercendo um direito fundamental: o de existir sem se explicar. Seus pais não a pressionam para acertar; incentivam-na a tentar. E nisso há uma pedagogia revolucionária – a mesma que, talvez, tenha moldado Lola Young em sua infância.
A psicologia humanista nos lembra que a autorrealização nasce desse ambiente de aceitação. Carl Rogers diria que Cecília está desenvolvendo seu "self" em um espaço sem condições de valor – ou seja, ela não precisa ser "boa" para ser amada. E é assim que surgem as artistas, as pensadoras, as mulheres que não cabem em caixas. Lola Young, em "Messy", celebra a bagunça porque sabe que é nela que residem as descobertas mais brutais e belas.
Cecília ainda não conhece Lola Young, mas um dia vai ouvir "Messy" e talvez se reconheça. Não porque será uma estrela (isso é detalhe), mas porque terá aprendido, desde sempre, que sua voz – desafinada, rouca, alta, baixa, como for – merece ser ouvida.
E que a vida, afinal, é um pouco messy mesmo.
Por Edu Fontes, para a coluna Escuta Só – SoulCostaVerde.com




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