Escuta Só: "Sisyphus" de Andrew Bird – O Assobio que Virou Sombra no The Bear
- Edu Fontes

- 22 de jun.
- 2 min de leitura
Soul Costa Verde adverte: para uma melhor experiência, leia a matéria ao som da dica musical de Edu Fontes!
A volta da praia depois de um dia de surfe tem dessas coisas: o corpo cansado, a mente leve e os fones de ouvido prontos para pescar alguma música que bata com o ritmo das ondas — ou que, pelo menos, faça o caminho de casa parecer menos longo. Foi numa dessas que "Sisyphus", de Andrew Bird, me pegou de jeito. Não era exatamente a trilha sonora que o momento pedia (o mar pede guitarras ou um reggae contagiante), mas aquele assobio insistente, quase um eco de outro esforço infinito, grudou em mim como areia molhada.
Pouco depois, descobri que a canção tinha feito o mesmo com muita gente — não por acaso, ela aparece em The Bear (série obrigatória para quem gosta de caos gastronômico e trilhas sonoras afiadas), no episódio "Sheridan". Ali, entre panelas queimadas e crises existenciais, o violino e o assobio de Bird soam como um respiro irônico: afinal, o que é cozinhar num restaurante falido senão o próprio mito de Sísifo em versão contemporânea? A escolha foi tão certeira que virou assunto nas minhas rodas de conversa e agora aqui nessa coluna — e, cá entre nós, é difícil ouvir a música agora sem imaginar Jeremy Allen White suando sobre uma tábua de cortar.

Mas "Sisyphus" não precisa de imagens para fazer efeito. O assobio que abre a faixa é um daqueles ganchos que o cérebro se recusa a esquecer: sobe, desce e repete, como a pedra do título. Os arranjos, porém, são tudo menos repetitivos. Um sintetizador que reproduz violinos que começam em pizzicato nervoso se abrem em cordas dramáticas, depois as teclas dão vida ao som de um piano suave que tilinta como um aviso gentil, enquanto o contrabaixo se arrasta como quem já aceitou a derrota — até que, de repente, a música explode num clímax que parece dizer: "A gente sobe o morro só pelo prazer de ver, lá de cima, o mundo que prende a gente aqui embaixo". É impossível não se sentir arrebatado.
Andrew Bird sabe brincar com mitos (o álbum "My Finest Work Yet", de 2019, onde a faixa é a título, é cheio deles), mas "Sisyphus" é especial porque transforma o absurdo em algo bonito. Ouça no fone, de preferência depois de um dia de trabalho duro, e deixe que o assobio faça as vezes de sombra — incômoda, mas companheira.
Indicação da semana: O episódio "Sheridan" de The Bear (Disney+/Star+) para ver a música em ação. E, claro, o álbum "My Finest Work Yet" na íntegra, porque Andrew Bird merece — e você também.




Dica esperta tanto de música (que não conhecia) quanto de série (que amo). Além disso, tem o texto agradável e informativo deste ser humano mais agradável e informativo ainda, Edu Fontes!