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Escuta Só: "É"... A Vida (e a infância) que a Gente Queria

  • Foto do escritor: Edu Fontes
    Edu Fontes
  • 3 de ago.
  • 2 min de leitura
Estuca Só: Edu Fontes
Estuca Só: Edu Fontes

Enquanto o a noite reinava soberana sobre o mar de Angra dos Reis num domingo entre os primeiros de julho, um evento oficial promovido pela prefeitura transformava a orla em palco de música e celebração.

A proposta, em tese, era das mais nobres: usar a arte para unir pessoas, aquecer o turismo e celebrar a vida. Mas a vida, como bem lembrou Gonzaguinha, "deveria ser bem melhor". E em meio aos acordes e aplausos, uma cena discreta - quase banal - escancarou o abismo entre o que "é" e o que "deveria ser".


Enquanto técnicos reconfiguravam o palco para a próxima atração, o locutor, num suposto gesto de solidariedade, destacou uma "pequena empreendedora" de nove anos que vendia adereços na plateia. O item, segundo ele, havia viralizado no TikTok. O público sorriu, alguns compraram. Ninguém estranhou que, naquela noite de festa pública, uma criança trabalhava. "É bonita, é bonita e é bonita", diria Gonzaguinha. Mas também é triste.


A cena ganha contornos ainda mais cruéis quando confrontada com os números do jornal O Globo em sua matéria "Tragédia Precoce": 415 menores mortos em acidentes de trabalho entre 2007 e maio deste ano. Três vidas perdidas por mês. Quinze crianças ou adolescentes feridos diariamente em atividades perigosas - justamente aquelas proibidas para menores de 18 anos. "É... a vida devia ser bem melhor", cantava o compositor. Mas para essas crianças, a vida "é" de trabalho precoce, de infância interrompida.


Não se trata de crucificar o locutor, que provavelmente agiu com boa intenção. O problema, como bem sabia Gonzaguinha, é estrutural: "É sempre assim/Dois pra lá, dois pra cá". Romantizamos a criança "batalhadora", como se fosse virtuoso carregar responsabilidades de adulto antes da primeira década de vida. No evento, aplaudiu-se a menina, mas ninguém perguntou por que ela não estava em casa, brincando ou estudando. Afinal, qual é a infância que a gente quer?


A matéria de O Globo nos lembra que o trabalho infantil raramente é questão de escolha - "é" sobrevivência para muitas famílias. Mas quando o próprio Poder Público, que deveria garantir direitos, promove eventos onde crianças trabalham (mesmo que indiretamente), ele normaliza o que deveria ser exceção. "É" assim hoje, mas não precisa "ser" assim amanhã.


Gonzaguinha acreditava que "a vida devia ser bem melhor e será". Para isso, precisamos ir além dos aplausos ocasionais: fiscalização efetiva, políticas públicas que ataquem a pobreza estrutural e, principalmente, um novo olhar. Não basta reconhecer que "é" bonita - é preciso agir para que seja justa.


Enquanto a música seguia em Angra, a menina sumiu na multidão, talvez rumo a outra venda, outra noite. Em algum lugar do Brasil, como revela o jornal, mais três crianças não voltarão para casa este mês. "É" a vida real, dura e crua. Mas pode - e deve - ser diferente. Como ensinou Gonzaguinha: "Mas isso não impede que eu repita/É bonita, é bonita e é bonita". A infância também merece sê-lo.


**P.S.:** Que na próxima vez que um locutor chamar atenção para uma criança na plateia, seja para convidá-la a subir ao palco - não como trabalhora, mas como espectadora, como criança que merece simplesmente ser. Porque a vida, quando se trata de infância, não deveria aceitar o "é" - mas perseguir incansavelmente o "será".


 
 
 

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