Escuta Só: Éramos os três na sala
- Edu Fontes
- 6 de jul.
- 2 min de leitura
No final da tarde daquela quinta-feira gelada, como quem encontra um porto seguro depois de dias de mar revolto, cheguei à casa do meu filho. A nora me recebeu com aquele abraço que já vem com cheiro de café fresco e voz baixa, cheia de cumplicidade. Cecília, minha neta, estava ali — aquela pequena tempestade de risos e olhos arredondados pelo mundo — e eu, é claro, já estendia os braços antes mesmo de tirar os sapatos. Mas foi a nora quem me deu o primeiro presente da noite: resistiu aos pedidos de colo da pequena, dizendo, com uma doçura que só as mães sabem ter, "Fica com o vovô, Cecília. O colo dele está quentinho de saudade."
Não há tradução possível para o que se sente quando alguém cuida do seu afeto assim, com as mãos leves.
Mais tarde, o pai dela chegou. E aí, ah, aí veio a cena que nenhuma letra de música seria capaz de descrever sozinha: Cecília, de volta ao soberano colo materno, olhou para a porta e seus olhinhos — aqueles dois poços de entusiasmo — encheram-se de uma emoção tão grande que pareciam refletir o universo inteiro. Era como se, naquele instante, o mundo dela se reordenasse em torno da presença do pai. E eu, velho observador de sutilezas, pensei, é assim que se reconhece um refúgio: quando a simples chegada de alguém te faz sentir que o chão é mais firme.
Depois, éramos os três na sala: eu, meu filho e Cecília, com "Sirens", do Pearl Jam, ecoando suave nas paredes.
Soube que Eddie Vedder, esse irmão surfista de voz áspera e coração exposto, compôs a canção pensando na família dele como um porto — e não é que a vida se encarregou de me mostrar exatamente isso naquela noite fria? Enquanto a guitarra choramingava e o baixo marcava o passo, Cecília balançava seus brinquedos no ritmo, tentando decifrar a melodia com a sabedoria ingênua das crianças. Meu filho sorria, eu ria, e por um momento, tudo do lado de fora daquela sala parecia menos importante.
"Sirens" fala do medo de perder quem a gente ama, do desejo quase desesperado de proteger os nossos. "Oh, fear is like a wilderland / Stepping stones or sinking sand", canta Vedder. O medo, ele diz, pode ser um terreno selvagem — mas o amor? O amor é a canção que a gente canta para navegar por ele. E naquela quinta fria e chuvosa, naquela sala comum, com minha neta inventando sua própria coreografia e meu filho cantarolando baixo, eu entendi: família é isso aqui. É o abraço que aquece o colo "quentinho de saudade", é o olho marejado que reconhece o seu porto seguro, é a música que embala os sobreviventes.
O mundo lá fora tem sirenes de alerta, é verdade. Mas ali dentro, a gente teve "Sirens" do Pearl Jam e a nós mesmos. E, por um breve e poderoso momento, isso foi mais que suficiente. Ouça: https://open.spotify.com/track/1cAMXz9mnvrqyQLSG4KeeE?si=RRKRNP6sR7WAwmfKCTPb1g
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