Caminhos da Serra: Sacrifício Ritual e Contradições da Sociedade de Consumo
- Felipe Barbosa
- 30 de mai.
- 2 min de leitura
Atualizado: 14 de jun.

O sacrifício de animais nas religiões de matriz africana é uma prática ancestral, espiritual e simbólica, que tem como finalidade alimentar o sagrado e manter viva a conexão com os Orixás, ancestrais e forças da natureza. Longe de ser um ato de crueldade, é um gesto carregado de significado, precedido por preparos espirituais, rezas, cantos e cuidado com o animal.. Além do seu significado espiritual, o sacrifício também cumpre uma função social relevante: a carne dos animais ofertados é frequentemente distribuída entre membros da comunidade, especialmente para famílias em situação de vulnerabilidade, promovendo partilha e solidariedade.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal confirmou, por unanimidade, a legalidade do sacrifício de animais em rituais religiosos. O relator, ministro Marco Aurélio, afirmou que essa prática está protegida pela Constituição, pois faz parte do exercício da liberdade religiosa, garantida pelo artigo 5º, inciso VI:
“A liberdade religiosa deve ser resguardada com especial atenção às religiões minoritárias, cujas manifestações culturais nem sempre são compreendidas pela maioria da população.
” O STF também reconheceu que, para os povos de matriz africana, o sacrifício é um elemento indispensável da liturgia, e que interferir nessa prática seria uma forma de intolerância religiosa e racismo estrutural disfarçado de preocupação ética.
A sociedade que frequentemente julga essa prática é a mesma que consome produtos de origem animal diariamente, sem qualquer ritual, significado simbólico ou respeito pelo ciclo da vida. Milhões de animais são abatidos em ambientes frios e mecanizados para atender ao paladar, ao consumo excessivo e, muitas vezes, ao simples capricho do consumidor. Couros e partes dos animais são transformados em artigos de luxo, vestuário e decoração, revelando o quanto o sacrifício ritual é socialmente julgado com dois pesos e duas medidas.
É preciso refletir: por que o abate sem alma é tolerado, enquanto o ritual sagrado é condenado? A resposta pode estar na intolerância religiosa e no racismo estrutural que ainda atravessam as relações sociais brasileiras. Reconhecer o direito à liberdade religiosa é também romper com essas contradições.
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